12º domingo do tempo comum, Ano A

12º domingo do tempo comum, 25 de junho de 2017
    
EVANGELIZAR NOSSA INTERIORIDADE

“Cuidado! Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos; portanto, sede cautelosos como serpentes e inofensivos como pombas.” (Mt 10,16) 

Texto Bíblico: Mateus 10,16-33

1 – O que diz o texto?
À luz do evangelho deste domingo, vamos considerar os “conflitos internos”. E a questão primeira que surge é esta: como integrar, pacificar, harmonizar... os “animais interiores”, para que o seguimento de Jesus Cristo não termine num combate espiritual que desgasta, tornando pesada a vivência cristã e levando ao sentimento de impotência e desânimo?

Somos como a “arca de Noé”, no grande Oceano da vida, carregando em nosso interior todos os animais, com seus instintos selvagens e primitivos; e o maior desafio é, justamente, a harmonia e a convivência, onde cada um deles tem sua importância, seu papel sagrado e revelador da nossa identidade humana. São eles que nos facilitarão o acesso às nossas riquezas interiores.

Algumas vezes agimos como uma cobra, ficamos ariscos e escondidos como uma onça, rugimos como um leão ou atacamos como um cão feroz. Outras vezes, até agimos igual a animais ruminantes que mastigam continuamente os rancores e mágoas do passado.

Eles não cessam de ladrar enquanto não lhes damos atenção. 

É preciso, antes de tudo, pacificar nossos animais interiores. Trata-se de conhecê-los, aprender a linguagem deles, fazer amizade com eles para que eles não nos destruam por dentro. 

Sob o impulso do Espírito, somos chamados a conhecer, reconhecer, nomear e integrar os animais que nos habitam. E caminhar fraternalmente com eles.

Cada um deles representa os instintos, impulsos, paixões, fragilidades, sensualidade, sentimentos... que, quando não pacificados e integrados, criam uma desarmonia interior.


2 – O que o texto diz para mim?
Os conflitos são constantes no caminho da fidelidade ao Evangelho: conflitos externos que surgem a partir da presença inspiradora e provocativa dos(as) seguidores(as) de Jesus; conflitos internos que afloram quando a mensagem evangélica ressoa na interioridade de cada um, desvelando seus contraditórios impulsos, tendências, dinamismos, forças... 

O ser humano vive tencionado entre dois polos: entre luz e escuridão, céu e terra, fragmentação e unidade, espírito e instinto, solidão e vida comum, medo e desejo, amor e ódio, razão e sentimento, sagrado e profano..., enfim, entre animalidade e humanidade.

Não se trata de alimentar uma luta entre esses dois impulsos, como um combate entre o bem e o mal; tampouco se tratam de uma leitura moralista diante da presença das chamadas “tentações”.

O combate dualístico desemboca no puritanismo, no farisaísmo, no legalismo, no perfeccionismo, no voluntarismo..., esvaziando a pessoa de toda densidade humana.

A questão de fundo é saber qual dos dois dinamismos eu alimento; é aqui que entra a liberdade (ordenada) para deixar-me conduzir pelo Espírito. O centro é o Espírito.

Só quando digo sim a esta tensão básica de minha vida é que consigo superar a divisão interna.

Faz parte da maturidade e crescimento pessoal encontrar e entender, em mim, a mensagem e o desafio de animais interiores como a pomba, o cachorro, o corvo, a serpente, a raposa, a perdiz, o lagarto, o falcão, o lobo, o leão... Cada animal deve ser verbalizado, integrado harmoniosamente no tempo certo e no lugar adequado. Ao fazer isso, descobrirei as diferentes dimensões da ecologia espiritual, paradisíaca e harmônica, para bem viver a maravilha da vida plena e em abundância.

Quando todas as energias animais são ordenadas, elas colaboram para o conhecimento pessoal, o refinamento da identidade e a busca da autenticidade, elas são fonte interior de sabedoria e de desfrute espiritual. Então, os animais pacificados  irão me conduzir ao mais profundo e me mostrar onde o tesouro está escondido, e ajudar-me a desenterrá-lo. Aqui está o lado “humanizante” da vida.


3 – O que a Palavra me leva a experimentar?
Viver uma “vida segundo o Espírito” significa, antes de tudo, chegar à compreensão e integração das polarizações internas, dos dinamismos opostos, dos movimentos contraditórios... que me mantêm “desperta” e que dão calor e sabor à minha existência.

É próprio do Espírito,  reunir, integrar, conciliar, pacificar, conduzir-me a um “lugar interior”, a um centro de calma, onde tudo tem seu lugar, onde tudo encontra seu espaço.

Sua discreta presença me move a acolher em mim meu potencial de ternura, de cuidado e de resistência diante de todas aquelas situações e forças que desintegram a vida. 

A atitude fundamental é a de ser dócil para me deixar conduzir pelos impulsos do Espírito, por onde muitas vezes não entendo e não sei. 

Fui forçada, durante minha formação cristã, a viver uma espiritualidade que me ensinou a reprimir e a manter presos todos os animais  na gruta interior e a levantar junto dela um edifício de “grandes ideais”. Lutar contra os animais interiores é permanecer na superfície de si mesmo e não ter acesso às reservas de riqueza do próprio coração.

Tal vigilância e suspeita me levaram a viver constantemente com medo de que os animais pudessem fugir e me devorar. Fui obrigada a fugir de mim mesma, ficar com medo de olhar para dentro de mim, pois poderia correr o risco de me deparar com  eles. Quanto mais o amarro, tanto mais perigosos eles se tornam; eles me atacam por dentro, tirando a disposição, o ânimo de viver.

Com isso me excluo do prazer de viver, porque tudo é reprimido e minha animalidade é violentada.


4 – O que a Palavra me leva a falar com Deus? 
Senhor sei que tudo quanto reprimo faz falta à minha vida. Os “animais selvagens”  tem muita força. Quando os prendo, gera um desgaste muito grande e fica me faltando a sua força de que tenho necessidade para o meu caminho para Deus, para mim mesmo e para os outros. 

Meu compromisso deveria ser a de travar um diálogo amoroso com os animais dentro de mim. Então tornar-se-á realidade o que o profeta Isaías prometeu: “O cordeiro e o leão andarão juntos, e a pantera se deitará com o cabrito...” (Is. 11,6ss).

O compromisso com o Reino requer de todos uma forte dose de coragem e uma alma ágil, animada e vivificada pelo sabor da aventura e da novidade.

Vencido o medo, eu me tornarei autêntica, criativa e audaz seguidora de Jesus.

“Entrar na arca” significa “buscar e encontrar a Deus” exatamente em minhas paixões, em meus traumas, em minhas feridas, em meus instintos, em minha impotência e fragilidade... 

Viver uma nova espiritualidade significa, então, não buscar “ideais de perfeição”, mas dialogar com minhas paixões, minhas fragilidades, minhas carências...


5 – O que a Palavra me leva a viver? 
Onde está o meu medo pode estar também o meu tesouro enterrado. 

“Não tenhais medo deles. Não há nada de oculto que não venha a ser revelado, e nada de escondido que não venha a ser conhecido” (Mateus 10,26).

Sem a superação cotidiana desse medo, minha missão estará comprometida; perderá sua força inovadora, garantida pela novidade do Projeto de Deus. 

Na vivência cristã, o que importa é ter a coragem de entrar na “arca interior” e dialogar amigavelmente com todos os animais. Então eles indicarão o caminho do tesouro escondido. Este tesouro pode ser  “uma nova vitalidade e autenticidade, um sonho ousado, uma intuição, um dom especial, o encontro com o verdadeiro eu, a imagem que Deus faz de cada um de nós...”

Poderia me interrogar o que é que Deus deseja me revelar por meio delas, e como justamente através delas Ele deseja me conduzir ao tesouro escondido no interior de minha vida.


Fonte: 
Bíblia Novo Testamento – Paulinas:  Mateus 10,16-33
Pe. Adroaldo Palaoro, sj – reflexão do Evangelho
Desenho: Osmar Koxne     


Sugestão:
Música: Descer no profundo – Fx 13 - (4:21)
Autor: Pe. Jorge Trevisol
Intérprete: Pe. Jorge Trevisol
CD: Mistério, amor e sentido
Gravadora:  Paulinas Comep