29º domingo do tempo comum, Ano C 1

UMA FÉ QUE PROTESTA

“Quando o Filho do Homem vier, encontrará essa fé sobre a terra?” Lc 18,8


Texto Bíblico: Lc 18,1-8

1 – O que diz o texto?
Na parábola de hoje, dois personagens ocupam a cena. Um juiz que “não teme a Deus” e “não respeita as pessoas”; é um homem surdo à voz de Deus e indiferente aos sofrimentos dos oprimidos.

De outro lado, a parábola fala de uma viúva que tem fé e que protesta, pedindo justiça, apesar da insensibilidade do juiz.

Na tradição bíblica, a viúva é, junto com o órfão e o estrangeiro, o símbolo por excelência da pessoa indefesa que vive desamparada, a mais pobre dos pobres. A “viúva” é uma mulher sozinha, sem a proteção de um esposo e sem apoio social algum. Só tem adversários que abusam dela.

A pobre viúva, no evangelho de hoje, longe de resignar-se, clama por justiça; ela não tem outra coisa a não ser sua voz para gritar e reivindicar seus direitos. Toda sua vida se transforma num grito de protesto: “faze-me justiça!”. Seu pedido é o de todos os oprimidos injustamente. Um grito que vai ao encontro daquilo que Jesus dizia aos seus seguidores: “Buscai o Reino de Deus e sua justiça”.

Esta parábola não trata de uma situação particular, mas recolhe a experiência mais profunda da Bíblia, desde os hebreus no Egito que gritam e Deus os escuta. Para que a realidade se transforme, continua sendo necessário o grito das viúvas, a voz de todos os oprimidos do mundo, que clamam diante de Deus e diante dos homens.


2 – O que o texto diz para mim?
De fato, se observo bem o conteúdo do relato e a conclusão do mesmo Jesus, vejo que a chave da parábola é a “sede de justiça”. A expressão “fazer justiça” é repetida quatro vezes. A viúva do relato é exemplo admirável de uma mulher corajosa que luta pela justiça em meio a uma sociedade corrupta que explora os mais fracos.

Contrariamente àqueles que pensam que não vale a pena sair às ruas e gritar (no plano social e religioso, político e eclesial), o evangelho de hoje me coloca diante do exemplo da fé e do grito de protesto da viúva, capaz de alterar a ordem injusta do sistema social. Muitas vezes resta só um grito, mas um grito que é mais profundo e eficaz que todas as vozes opressoras, ocas, prepotentes... daqueles que corrompem e exploram os mais pobres. O problema está em que a maioria se cala ou se dobra diante da realidade injusta, pedindo míseras migalhas, subsídios, esmolas... para que tudo continue igual. No fundo, querem que os enganem, e assim compactuam com a submissão alienante.


3 – O que a Palavra me leva a experimentar?
O que acontece é que, muitas vezes, aqueles que deveriam protestar, como a viúva, preferem ajustar-se ao sistema “por um prato de lentilhas”: preferem fazer pacto com o juiz, com o opressor. Essa tem sido a atitude de grande parte das comunidades cristãs, daqueles que dizem que nada podem mudar. No fundo, é a atitude daqueles que não creem em Deus.

Pois bem, contrariamente a isso, esta viúva grita, em gesto de manifestação radical. Não se resigna, não se curva. Com indignação, eleva-se diante do juiz, que representa todos os “podres poderes” deste mundo. Ela, a viúva do grito, é mais forte que os próprios juízes.

Certamente tem razão o teólogo J. B. Metz quando denuncia que na vivência cristã há demasiados cânticos e poucos gritos de indignação, demasiada complacência e pouca aspiração por um mundo mais humano, demasiado consolo e pouca fome de justiça. É preciso somar gritos!

Vivo em um mundo que parece dominado pela voz daqueles que vivem para se impor, pela propaganda de um sistema que quer silenciar todos os gritos e enganar a todos com o circo midiático das mentiras organizadas. Pois bem, contra tudo isso, tenho que me comprometer a elevar minha voz profética, como tantos homens e mulheres do meu tempo.


4 – O que a Palavra me leva a falar com Deus?
Senhor, a viúva “crê” (tem fé) na força de sua insistência pedindo justiça. Numa dimensão mais profunda, o grito dos marginalizados e das viúvas ressoa na mente daqueles que se beneficiam do sistema social injusto. Trata-se não de resignar-se, de não aceitar simplesmente o mundo como está, mas de protestar...

Esta viúva é o símbolo das vozes de todos aqueles que gritam e protestam.

Se todas as viúvas do mundo gritassem, se todos os pobres gritassem, se todos os que se sentem enganados por esta sociedade elevassem a voz, o sistema social tremeria diante do grito da vida. O resultado final não estaria no triunfo dos mais fortes e poderosos, nem no poder do dinheiro, mas no grito incessante, de não violência ativa. O grito dos que clamam diante de Deus e diante dos homens tem uma força infinita; trata-se da onipotência daqueles que gritam.


5 – O que a Palavra me leva a viver?
A constância e a insistência de uma pobre viúva põe em cheque a um autossuficiente juiz que se considera mais valente. A constância é como a gota de água que pouco a pouco vai perfurando a pedra; a constância é capaz de dobrar o mais duro coração.

Externamente o grito da viúva parece muito pouco; não é nada e, no entanto, essa voz foi e continua sendo mais poderosa que todas as armas e dinheiro do sistema.

Esta é a pressão popular, esta é a revolução de todas as viúvas do mundo, ou seja, de todos os injustiçados, uma revolução que tem que começar, a partir do Evangelho.

Assim foi a voz de Jesus que gritou contra as injustiças, a favor da justiça do Reino, mas foi assassinado. É evidente que não conseguiram calar sua voz, pois esta continua ressonando e perturbando a vida de muitos acomodados.

Assim deve ser minha voz, meu grito, contra a ordem econômica injusta, contra uma sociedade que engana para manter privilégios, e inclusive contra as religiões que me obriga a ficar em silêncio.


Fonte:
Bíblia Novo Testamento – Paulinas:  Lc 18,1-8
Pe. Adroaldo Palaoro, sj – reflexão do Evangelho
Desenho: Osmar Koxne