Ano A - 4º Domingo do Tempo Comum

Leitura Orante –  4º domingo do tempo comum, 29 de janeiro de 2017

A LÓGICA SURPREENDENTE DAS BEM-AVENTURANÇAS

“Tomando a palavra, ensinava-lhes assim: Bem-aventurados...” (Mt 5,2)


Texto Bíblico: Mateus 5,1-12


1 – O que diz o texto?
O Evangelho que nos foi confiado é um programa para alcançar a felicidade, a vida ditosa, prazerosa, bem-aventurada. Na boca de Jesus brilha sempre a palavra chave: “Felizes”.

Os enunciados das bem-aventuranças soam à primeira vista como “idealistas”, “utópicas”, não possíveis de serem colocadas em prática no mundo em que vivemos. No entanto, pela sua provocação e questionamento, elas são a proposta mais realista, mais revolucionária e mais eficaz jamais pronunciada.

As bem-aventuranças são a exposição mais exigente e, ao mesmo tempo mais fascinante, da mensagem e da “intenção de Cristo”. Elas são a plenificação daquilo que é o mais humano em nós.

Poderíamos dizer que as Bem-aventuranças são a quinta-essência do seguimento de Jesus.

De fato, percebemos uma resistência surda frente às bem-aventuranças, não porque nosso coração não se reconheça nelas, mas porque parecem tão impossíveis, tão distantes estamos delas...; vivemos mergulhados em tantas contradições, profundos dramas e violências que nos parecem desmenti-las. Incomoda-nos e inquieta-nos sua mensagem de humildade, de mansidão, de paz, de pureza, de misericórdia... quando, na realidade, estamos envolvidos em construir, em fomentar um mundo que é arrogante, agressivo, violento, intolerante, excludente, injusto...

Temos resistências em escutá-las porque elas nos colocam de novo frente à verdade para a qual nascemos, diante do mais original de nosso coração e de nossas entranhas humanas. A ética de Jesus nas bem-aventuranças encontra resistência para ser assumida por nós precisamente em virtude de sua desconcertante humanidade.

As bem-aventuranças nos esperam no pequeno, no cotidiano, no próximo mais próximo, e nos impulsionam a proclamar: a paz é possível, a alegria é uma realidade, a justiça não é um luxo, a mansidão está ao alcance da mão... Elas nos dizem que nascemos para a bondade, a beleza, a compaixão...


2 – O que o texto diz para mim?
Aos olhos de Jesus nada é mais perigoso para o espírito humano do que vidas satisfeitas, acomodadas, sem desejos, sem a afeição das esperas e o desassossego das buscas; corações quietos, indolentes, medrosos, covardes, petrificados, sensatamente contentes com aquilo que são e têm.

Como são, ao contrário, humanamente repletos de vida os que quase nada são e têm, os que ainda se encantam com as buscas, os que sonham e lutam por um mundo novo. Sua vida é penosa, sem dúvida, mas repleta de razões, criatividade, entusiasmo e vitalidade. 

As diferentes ciências (psicologia, filosofia, antropologia, etc) me fazem cair na conta de que todos os seres humanos desejam ser felizes. Também elas me permitem compreender que a felicidade não é uma situação existencial que posso agarrar e possuí-la. Também não é uma sucessão interminável de prazeres que acabam por me esgotar, mas uma forma de ser e de viver. Ela não emana do que tenho ou faço, mas do centro de meu ser.

As bem-aventuranças podem ser escutadas como uma mensagem que brota do mais profundo da vida e que tem como finalidade apresentar a qualquer pessoa o mais humano que existe no ser humano.

Ao proclamar bem-aventurados os pobres, os que choram, os perseguidos, os humildes... Jesus, certamente, jamais quis sacralizar a dor humana. Ele constata a situação do povo, de pobreza, humilhação, submissão; percebe o esforço que o povo faz para mudar a situação, e o proclama feliz nesta busca, porque esta busca mora no próprio coração de Deus.


3 – O que a Palavra me leva a experimentar?
A felicidade, proclamada aqui por Jesus, é já uma realidade presente na sua pessoa e na sua missão.

Todas e cada uma das bem-aventuranças são autobiográficas. Jesus viveu-as durante 30 anos antes de proclamá-las. Elas são, portanto, a expressão do que constitui o centro mesmo da sua pessoa e da sua vida, dos seus sentimentos, atitudes; numa palavra, do seu mistério.

Poderia dizer que as bem-aventuranças são o auto-retrato de Jesus. Elas são o compêndio do ministério de Jesus. Não é lei que se impõe por si mesma; é confissão: “o Reino chegou”.

As Bem-aventuranças não são uma doutrina, mas um estilo de vida, um modo de proceder. Jesus não prega diretamente uma moral. Proclama a “irrupção” da graça, do amor, da misericórdia, da justiça de Deus na história da humanidade. 

Porque tem a certeza de que chegou a “hora” de Deus intervir na história, Jesus fica feliz e proclama “felizes” os até agora indefesos, oprimidos e marginalizados, mas que mantiveram viva a confiança em Deus.

Jesus fala da felicidade não no singular, mas no plural. Em outras palavras, o que Ele afirma é que a felicidade de cada um está em íntima relação com a felicidade dos outros, com quem cada um convive.


4 – O que a Palavra me leva a falar com Deus? 
Senhor, todos sabem que nas igrejas fala-se muito mais da renúncia ao prazer, da mortificação, do sofrimento, da austeridade, do sacrifício, da suportabilidade e da resignação, ao passo que pouco se escuta sobre aquilo que deve mover as pessoas a buscar ser felizes, a deleitar-se com tudo aquilo que de bom Deus pôs no mundo e na vida, desfrutar o prazeroso, o sensível, o corporal. Não é comum encontrar pessoas que, espontaneamente, associem Deus e a religião à alegria de viver e, em geral, a tudo aquilo que me faz sentir melhor, sentir-me bem e ser mais feliz.

Portanto, o centro da fé cristã não está na religião com suas exigências de sacrifícios e renúncias, com suas verdades e suas normas, mas na felicidade dos seres humanos.

“A ética de Jesus é a ética do prazer de viver para todos, da felicidade compartilhada por todos, sem excluir ninguém. E isso é o que mais custa assumir e aceitar como projeto de vida, porque a ascética mais dura não é a da renúncia, mas sim da doação” (José Maria Castillo).


5 – O que a Palavra me leva a viver? 
A felicidade que busco é o que realmente sou, e isto só se revelam quando a mente se cala. Ser feliz, portanto, consiste em experimentar na existência a plenitude de minha verdadeira identidade.

Ser feliz é deixar viver a criatura livre, alegre e simples presente dentro de mim. 

A felicidade é, assim, o livre curso da vida, o fluxo contínuo da Vida em mim que se “entretece” com a vida dos outros.

Ao formular as bem-aventuranças, Mateus traça o perfil que caracterizará os seguidores de Jesus; elas condensam as atitudes básicas que os cristãos devem ter na relação com os outros, seguindo as pegadas do Mestre. 

Jesus propõe a ventura sem limites, a felicidade plena para seus seguidores. 

Deus não quer a dor, a tristeza, o sofrimento; Deus quer precisamente o contrário: que o ser humano se realize plenamente, que viva feliz... 

Jesus acreditava na vida, e queria que todos vivessem intensamente.


Fonte: 
Bíblia Novo Testamento – Paulinas:  Mateus 5,1-12
Pe. Adroaldo Palaoro, sj – reflexão do Evangelho.
Desenho: Osmar Koxne